RELATOS AUTOBIOGRÁFICOS À LUZ DA PEDAGOGIA DE GÊNEROS: UMA INTERVENÇÃO EM CLASSES DE PROEJA
Resumo
Palavras-chave: Ensino. Relatos autobiográficos. Linguística Sistêmico-Funcional. Pedagogia de Gêneros. PROEJA.
INTRODUÇÃO A Linguística Sistêmico-Funcional é uma teoria linguística, desenvolvida por Michael Alexander Kirkwood Halliday, linguista nascido no Reino Unido em 1925 e um dos precursores dessa teoria. Atualmente, muitas pesquisas baseadas nesses estudos veem sendo realizadas em muitos países, como Austrália, Inglaterra, França, Argentina, Venezuela, Colômbia, Chile, Uruguai, México e no Brasil, onde estudiosos de várias universidades estão se respaldando nessa teoria para desenvolver suas investigações no campo da linguagem. Para desenvolver sua teoria, Halliday se apoia em estudos estruturalistas, nas ideias de Hjelmslev e, também, em estudos originários da Escola de Praga. Para os
estudiosos dessa Escola, a linguagem permite ao homem “reação e referência à realidade extralinguística”, afirma Neves (1997, p. 17). Isso quer dizer que as frases como unidades comunicativas não só transmitem informações, mas também estabelecem ligação com a situação de fala e o texto linguístico.
A LSF configura a linguagem “como um sistema de escolhas, utilizadas em um
determinado meio social para que seus usuários possam desempenhar funções sociais” (Vian Jr., 2001, 147). Assim, ao se produzir um texto seja escrito ou falado, as escolhas feitas em relação ao registro vai depender do contexto de situação, já as escolhas em relação ao gênero vai depender do contexto de cultura. Por contexto de situação entende-se o ambiente onde o texto está sendo produzido e por contexto de cultura os aspectos culturais envolvidos (Halliday, 1985).
O conceito de gênero como “um processo social orientado para um fim
específico” (ROSE & MARTIN, 2012, p. 1) surgiu com as pesquisas dos tipos de escrita
na escola primária. As estratégias de ensino para guiar os estudantes na escrita de
diferentes gêneros ficaram conhecidas como “pedagogia baseada em gêneros”, que
ficou conhecida como “pedagogia de gêneros”.
O termo “Escola de Sidney” surgiu em 1994 como referência ao trabalho com
linguagem e educação feito há pelo menos uma década no Departamento de Linguística
da Universidade de Sidney. O projeto espalhou-se para escolas e universidades de toda a
Austrália, tornando-se um movimento internacional, com o objetivo inicial de
desenvolver uma pedagogia de escrita que permitisse a qualquer estudante ser bem
sucedido nas atividades exigidas pela escola (ROSE & MARTIN, 2012).
O projeto passou por três grandes fases: a primeira, pesquisa inicial nos anos
80, denominada Linguagem e poder social; a segunda com a descrição dos gêneros que
os alunos devem ler e escrever, nos anos 90, denominada Escrever Corretamente; e o
desenvolvimento de uma metodologia para integrar leitura e escrita com a
aprendizagem, na última década, denominada Ler para Aprender. O projeto tem como
princípio básico que o ensino efetivo envolve os estudantes com conhecimento explícito
sobre a linguagem na qual o currículo é escrito e negociado em sala de aula (ROSE&
MARTIN, 2012). A proposta de estudo dessa escola baseia-se na Linguística Sistêmico-funcional proposta por Halliday, na sociologia da educação com Bernstein e nas práticas de letramento escolar realizadas, prioritariamente, em escolas australianas - primárias e secundárias - nas décadas de 70 e 80. Jim Martin, Joan Rothery e Frances Christie foram os precursores desse feito.
De acordo com Rose e Martin (2012), a pedagogia de alfabetização baseada em
gêneros nunca foi concebida como estratégias que podem ser adicionadas à caixa de
ferramentas de um professor, mas foi um projeto com o objetivo ambicioso de
democratizar o sistema de educação. E, para que isso fosse possível, a Escola de Sidney
deteve-se não apenas nos tipos de escrita e leitura que as escolas esperam dos alunos,
mas também nas oportunidades que as escolas criam para que os alunos desenvolvam
esses aspectos.
A abordagem do problema tem sido no sentido de apresentar atividades de
ensino que possam munir todos os estudantes com as habilidades necessárias para o
sucesso e que possam ser integradas com o ensino do currículo em todos os níveis
escolares. O ponto de partida para isso foi uma análise de atividades de aprendizagem
que situaram as tarefas do aprendiz como o elemento central, iniciado por um enfoque
em tarefa e seguido por avaliação. O foco em tarefa pode ou não munir todos os
estudantes com o suporte suficiente para ser bem-sucedido na tarefa. Por exemplo, os
estudantes podem receber um modelo ou simplesmente ser direcionados a escrever
sobre um tópico. Alguns estudantes podem ter experiência suficiente do gênero, campo
e recursos linguísticos esperados para criar textos de sucesso, enquanto outros não.
A avaliação, dessa forma, classifica os estudantes de acordo com as experiências
anteriores que eles trazem para a tarefa. A desigualdade pode ser reduzida, na
interpretação de Martin e Rose (2012), ao preparar adequadamente todos os estudantes
para cada tarefa de aprendizagem. O sucesso em uma tarefa de aprendizagem, para eles,
fornece uma base para uma etapa de elaboração na atividade de aprendizagem, que pode
envolver um entendimento mais profundo.
O modelo nuclear de atividades de aprendizagem é aplicado para analisar e
desenhar atividades no nível das unidades do currículo, de cada atividade em uma lição,
e das interações em sala de aula. As cinco fases são interpretadas como um ciclo
também, no qual cada fase de elaboração fornece uma base para preparar a próxima
tarefa (ROSE E MARTIN, p. 306).
Como cada ciclo de atividade de aprendizagem baseia-se em ciclos anteriores, as
sequências de ensino assumem a forma de um currículo em espiral. Cada tarefa é mais
desafiadora que a última, conforme as habilidades e o conhecimento dos estudantes se
acumulam.
Para apresentar preparações eficazes para a tarefa de aprendizagem de
linguagem, Rose e Martin (2012) seguiram o conceito de “orientação por meio de
interação em contexto de experiência compartilhada” das observações de Halliday e
Painter sobre aprendizagem de língua em casa. A orientação por meio de interação
capacita os aprendizes a realizar tarefas que podem estar muito além de sua
competência independente e a repetição orientada de tarefas de alto nível capacita os
aprendizes a desenvolver habilidades mais efetivamente do que a prática individual de
tarefas de baixo nível. Já as preparações bem introduzidas capacitam todos os
estudantes em uma turma a realizar as mesmas tarefas de alto nível, por meio de prática
conjunta orientada, apesar dos diferentes níveis iniciais de habilidade. Ao longo do
tempo, a prática conjunta repetida reduz a desigualdade entre os estudantes.
Nas primeiras duas fases do projeto Escola de Sidnei - Linguagem e Poder
Social e Escreva Certo -, um ciclo de ensino e aprendizagem (CEA) foi desenhado e
aperfeiçoado pelos professores para orientar os estudantes a escrever os gêneros da
escola com êxito. Nesse ciclo, a tarefa final dos estudantes é a Construção Independente
do gênero em foco. A preparação foi desenhada em dois estágios, incluindo a
Desconstrução de um texto modelo e a Construção Conjunta de um novo texto pela
turma, ambos orientados pelo professor em interação com os estudantes (ROSE &
MARTIN, 2012). Tomando por base essas considerações, este trabalho tem por objetivo apresentar um projeto de pesquisa a ser implementado, nos próximos dois anos, em turmas de alunos do PROEJA do curso Técnico em Comércio, do primeiro ano, do Instituto Federal Farroupilha, Campus Júlio de Castilhos. Durante o período em que este projeto será desenvolvido, serão produzidos relatos autobiográficos à luz dos pressupostos da Escola de Sydney, abordagem pedagógica capaz de tornar alunos, pertencentes a grupos menos privilegiados, melhores leitores e escritores. O processo de produção dos textos ocorrerá por meio da aplicação sequenciada dos três ciclos de aprendizagem que constituem a pedagogia de gêneros da Escola de Sydney: desconstrução, construção conjunta e construção individual (ROSE & MARTIN, 2012). Como resultado, serão evidenciadas as possíveis relações entre o contexto de produção dos textos, sua estrutura organizacional e as escolhas léxico-gramaticais que concorrem para o trabalho de produção textual e de adequação aos gêneros em sala de aula. Também será possível sistematizar subsídios que possam contribuir para um maior contato entre a teoria linguística e as reflexões sobre a língua, para um desenvolvimento proficiente da leitura e da produção textual no ensino da língua portuguesa.
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PDFReferências
CIAS
HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, H. Language, context and text: aspects of a
language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press,
NEVES, Maria Helena de Moura. A Gramática Funcional. São Paulo: Martins Fontes,
ROSE, David; MARTIN, J. R. Learning to Write, Reading to Learn: Genre,
Knowledg and Pedagogy in the Sydney School. London: Equinox, 2012.
VIAN Jr., Orlando. Sobre o conceito de gêneros do discurso: diálogos
entre Bakhtin e a lingüística sistêmica funcional. In: Brait, Beth (Org.)
Estudos enunciativos no Brasil. Histórias e Perspectivas. Campinas, SP:
Pontes, 2001.
HALLIDAY, Michael A. K.; MATTHIESSEN, Christian M. L M. Halliday’s
Introduction to Functional Grammar. 4 ed. London: Rouledge, 2014.
HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar (2ª ed.). London:
Edward Arnold, 1994
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